Um dólar próximo de R$ 6 já seria, por si só, motivo de atenção em relação à inflação. Contudo, o cenário atual requer ainda mais vigilância, pois o impacto da desvalorização da moeda brasileira nos preços ao consumidor está significativamente mais acentuado. Esse efeito, conhecido como pass through, reflete a dinâmica econômica brasileira, que opera
Um dólar próximo de R$ 6 já seria, por si só, motivo de atenção em relação à inflação. Contudo, o cenário atual requer ainda mais vigilância, pois o impacto da desvalorização da moeda brasileira nos preços ao consumidor está significativamente mais acentuado. Esse efeito, conhecido como pass through, reflete a dinâmica econômica brasileira, que opera acima de sua capacidade. Incertezas relacionadas à política fiscal e à evolução futura da inflação aumentam a cautela, intensificando a influência do câmbio nos preços de bens e serviços.
Esse fenômeno foi destacado pelo Banco Central na ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de dezembro. Na ocasião, a Selic foi elevada para 12,25% ao ano, com indicação de mais dois aumentos de 1 ponto percentual. O documento apontou que o repasse tende a ser maior em contextos de demanda aquecida, expectativas desancoradas ou variações cambiais percebidas como persistentes.
“A economia brasileira enfrenta vários desequilíbrios no momento, com destaque para uma demanda que está além da oferta disponível”, observa João Fernandes, economista da consultoria Quantitas. Ele explica que isso gera uma antecipação dos efeitos inflacionários, embora a magnitude desses impactos seja incerta. “Com o dólar elevado, os formadores de preços pensam: ‘não sei até onde o dólar vai subir, mas, para evitar prejuízos, melhor repassar logo essa desvalorização para os preços'”, detalha.
Nos modelos de projeção de Fernandes, o repasse cambial atual varia entre 8% e 10%. Isso significa que uma desvalorização de 10% no câmbio pode elevar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em até 1 ponto percentual no acumulado de quatro trimestres. “Até cerca de 2021, esse repasse era menor, na faixa de 6% a 7%”, acrescenta.
Ele também ressalta que a intensidade do impacto varia conforme o tipo de produto. Alimentos e bens industriais apresentam repasses mais significativos, com 14% e 8%, respectivamente, enquanto nos serviços esse índice é bem menor, em torno de 2%.
Homero Guizzo, economista da Terra Investimentos, compartilha análise similar. Ele afirma que, em momentos em que a economia está operando próxima ou acima de sua capacidade máxima, como atualmente, a depreciação cambial tende a ser transmitida aos preços com maior rapidez e intensidade. “Se o hiato do produto estivesse apenas ligeiramente acima do potencial, e não de forma expressiva, o impacto seria mais diluído ao longo das cadeias de produção e distribuição”, explica Guizzo.
Segundo suas estimativas, o pass through cambial costumava ficar em torno de 4%, mas, no contexto atual, está próximo de 8%. Isso implica que uma desvalorização de 10% no câmbio resultaria em um acréscimo de 0,8 ponto percentual no IPCA, número similar ao calculado pela Quantitas.
Já Andréa Ângelo, estrategista de inflação da Warren Investimentos, chama atenção não apenas para a magnitude desse repasse, mas também para sua rapidez, que atualmente está mais acentuada.
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